“O Preço do Desafio” — Um Filme Inspirador para Professores e Alunos

Gustavocar
6 min readAug 2, 2021

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Gustavo Longhi de Carvalho (*)

Texto publicado no livro “Múltiplos Olhares na Construção do Conhecimento”, v. III, com artigos de diversos autores, Ed. In House, 2013.

Determinados filmes podem ser utilizados como instrumentos de aula para auxílio no aprendizado, e outros, além disto, podem ser uma inspiração para professores e alunos. Este é o caso do filme norte-americano “O Preço do Desafio”, cujo título original é Stand and Deliver, e que foi lançado em 1988, com direção de Ramon Menendez (MENENDEZ, 1988). Ele já foi ao ar por algumas vezes em canais das TVs aberta e a cabo no Brasil.

Basicamente, o filme, baseado em fatos reais, conta a história do professor Jaime Alfonso Escalante na escola James A. Garfield no início dos anos 1980. Trata-se de uma escola de ensino médio, conhecida nos Estados Unidos como High School, que era considerada entre as mais fracas do estado da Califórnia, a ponto de, no início do filme, seu diretor dizer que estava preocupado com o risco de seu colégio ser o primeiro do seu estado a perder sua licença para funcionar — felizmente, isto não ocorreu.

O professor Jaime Escalante nasceu na Bolívia, em 1930, e deu aulas por mais de dez anos em seu país natal, antes de emigrar para os Estados Unidos, o que ocorreu em 1964. Lá, trabalhou com outras atividades, inclusive na indústria, durante anos, até, em 1974, voltar a dar aulas, no colégio Garfield. Inicialmente, ele iria dar aulas de computação, algo que estava se iniciando na época, mas, como a escola não tinha computadores, passou a dar aulas de Álgebra, um dos ramos da Matemática (WIKIPEDIA, 2013).

O colégio Garfield abrigava principalmente alunos do subúrbio da cidade de Los Angeles. Muitos deles eram descendentes de imigrantes latinos e tinham grande dificuldade com o idioma inglês. Em geral, eram considerados alunos fracos e fadados a abandonar seus estudos antes de fazerem a faculdade — havia um preconceito velado em relação à origem e à classe social destes alunos. E, pior do que isto, muitos destes alunos acreditavam que não eram de fato capazes de fazer uma boa faculdade e ter uma vida diferente daquela que estava “prevista” para eles desde seu nascimento.

Jaime Escalante, porém, acreditava nestes alunos e, após alguns anos e muita luta, começou a dar aulas de cálculo avançado para alguns alunos da instituição. Uma frase marcante mencionada por ele no filme, durante uma reunião de professores, foi “Os alunos atingem o que se espera deles”.

Como professor, ele sempre valorizou a vontade dos alunos e defendeu que seu bom resultado somente pode ser fruto de um trabalho duro e com muita vontade — de “ganas”, como ele costumava dizer (NBC, 2010).

Sua turma de cálculo, descrita no filme, tinha dezoito alunos. É importante se ressaltar que a luta de Escalante não foi somente contra a dificuldade de reunir alunos que acreditassem ser capazes de aprender cálculo, mas principalmente contra alguns professores que pensavam que estas aulas iriam apenas iludir alunos que não tinham base alguma e estavam fadados ao fracasso de qualquer forma.

O objetivo de Escalante com as turmas de cálculo, que ele montou por iniciativa própria, contra todos estes obstáculos, era que seus alunos com elas se preparassem para prestar o Exame Nacional de Cálculos Avançados, que era uma espécie de “vestibular” para grandes universidades americanas. Tirar uma boa nota neste exame era algo muito difícil e um passaporte certo para um futuro com uma formação sólida.

Para aprender cálculo avançado, como muitos dos alunos não tinham uma base adequada de formação em matemática, eles precisaram estudar com uma grande carga horária, inclusive aos sábados e nas férias de verão, quando a sala de aula, que não tinha ar condicionado, ficava extremamente quente. Este seria apenas mais um dentre os obstáculos que os alunos teriam de enfrentar, o que fizeram com bravura. Antes da entrada no curso, inclusive, os alunos, para reforçarem seu comprometimento, precisaram assinar um acordo com o professor quanto à carga horária e à frequência necessária ao curso, com o conhecimento de seus pais. Para que o resultado fosse positivo, além do professor, o comprometimento dos alunos também seria evidentemente fundamental.

E os resultados apareceram. Grande parte dos dezoito alunos que prestaram o Exame Nacional de Cálculo em 1982 passou com ótimas notas, o que foi um feito espetacular para a escola, o professor Escalante e, principalmente, os alunos. Porém, além das dificuldades inerentes à avaliação, ainda havia mais uma: a sociedade “desconfiou” de resultados tão positivos em uma avaliação tão difícil. Afinal, a considerada fraca escola Garfield havia, aparentemente “do nada”, obtido um resultado que estava entre os melhores do estado da Califórnia.

Diante disto, sob a alegação de que os erros nas avaliações ocorreram em um número muito pequeno e foram semelhantes, e de que alguns termos matemáticos utilizados pelos alunos na avaliação foram pouco comuns, a avaliação dos alunos aprovados foi colocada em suspeita, mesmo sem qualquer prova ou indício de irregularidade. Não foram dois ou três alunos os colocados em suspeita, mas todos os aprovados. Membros do Conselho Nacional de Educação foram conversar com os alunos com o objetivo de que algum deles se acusasse ou indicasse o esquema que teria ocorrido. Como ninguém se entregou, pois nada de errado havia ocorrido, os membros do Conselho sugeriram que os alunos refizessem o Exame Nacional para “provar” que de fato eram capazes.

O professor Escalante discordou veementemente das suspeitas, até porque elas foram direcionadas a todos e não eram baseadas em nenhuma evidência. Segundo ele, se as notas boas tivessem vindo de uma turma de alunos de algum local nobre da Califórnia, ou de alunos que não tivessem sobrenomes hispânicos (o que os rotulava como imigrantes), ninguém teria desconfiado de nada. Neste momento, devido à tamanha injustiça, ele pensou novamente em parar de dar aulas e voltar à indústria, e ficou muito triste ao ver que seus alunos estavam sendo, por uma questão de preconceito, impedidos de entrar em uma sociedade na qual eles acreditavam e haviam lutado tanto para ingressar.

Praticamente sem saída, os alunos e Escalante finalmente aceitaram refazer o Exame Nacional, que certamente seria ainda mais difícil e para o qual teriam um prazo curtíssimo para revisar todos os assuntos vistos. Uma nova motivação para fazer a avaliação após tanta injustiça não foi fácil, mas todos se esforçaram ao máximo que puderam.

Após refazerem a avaliação, felizmente todos os que a refizeram foram aprovados novamente e o professor Escalante exigiu que as notas da primeira avaliação fossem revalidadas. Este fato ganhou uma repercussão nacional nos Estados Unidos e inclusive acabou motivando que, anos depois, fosse publicado o livro Escalante: The Best Teacher in America, de Jay Mathews, e fosse lançado o filme que motivou este texto. A propósito, a atuação de Edward James Olmos no papel do professor Escalante foi muito elogiada e rendeu-lhe uma indicação ao Oscar de Melhor Ator de 1988.

Após este grande sucesso, Escalante continuou a dar aulas de cálculo e a preparar alunos do Colégio Garfield para o Exame Nacional, com um número de aprovados cada vez maior, o que reforçou seu brilhantismo como professor e motivador. Em um vídeo especial que pode ser assistido na internet, é feita uma justa homenagem a Escalante por ex-alunos e atores que trabalharam no filme, inclusive Edward James Olmos, que manteve a amizade com o grande professor após o lançamento do filme (YOUTUBE, 2010). Jaime Escalante faleceu aos 79 anos, em março de 2010.

Como conclusão, segue um pensamento de Escalante, que ele defendeu por toda a sua vida, com palavras e ações: “Uma das maiores coisas que você tem na vida é que ninguém tem a autoridade para lhe dizer o que você quer ser. Respeite a você mesmo e respeite também a integridade dos outros. O que você tem de maior é sua autoimagem, uma opinião positiva sobre você mesmo. Você nunca deve deixar ninguém tirar isto de você” (YOUTUBE, 2010).

Este texto procurou destacar alguns aspectos que o filme transmite, mas, evidentemente, assistir ao mesmo continua sendo muito recomendável, e certamente acrescentará bastante a quem o fizer.

Referências

MENENDEZ, RAMON. O Preço do Desafio (Stand and Deliver). Filme. Warner Bros.: Estados Unidos, 1988.

NBC. Making a Difference: Uma Reportagem sobre Jaime A. Escalante. Reportagem para a TV, veiculada em 31.Mar.2010. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=IM6blsMhPRQ. Acesso em: 31.Ago.2013.

WIKIPEDIA. Biografia resumida do Professor Jaime A. Escalante. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Jaime_Escalante. Acesso em: 30.Ago.2013.

YOUTUBE. Jaime Escalante Forever: Curta-metragem sobre Jaime Escalante, com imagens de arquivo e de reportagens a seu respeito. 2010. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=mX0jKFd0KEk. Acesso em 31.Ago.2013.

(*) Engenheiro mecânico, jornalista e professor.

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Gustavocar

Jornalista, Engenheiro e Professor. Meus assuntos prediletos são a história do Futebol e o estudo para a solução dos problemas do Brasil, entre outros.